Texto original por: Jude Rogers (The Guardian)
Em 2016, o artista e músico
britânico Paul Purgas teve sua
curiosidade despertada: ele tinha lido que o músico eletrônico David Tudor (1926—1996), um colaborador
próximo de John Cage (1912—1992),
levou um sintetizador Moog para o National Institute of Design (Instituto
Nacional de Design - NID) em Ahmedabad,
Índia, em 1969. Isso chamou a
atenção de Purgas. As máquinas eram
muito novas na época; volumosas, frágeis e um pesadelo para transportar.
Além disso, a Índia, até onde ele sabia, não tinha
histórico de música eletrônica antes do lançamento de "Ten Ragas to a Disco Beat" de Charanjit Singh em 1982, que passou
despercebido na época, mas foi proclamado um clássico proto-acid house em seu relançamento em 2009.
O artigo que ele estava lendo
mostrava o Moog agora, infestado de
formigas e desgastado, resgatado por um antigo aluno. Empolgado, Purgas reservou uma viagem para
encontrá-lo. Ele acidentalmente descobriu algo maior: um arquivo de gravações
esquecidas que não tinham sido tocadas por quase cinco décadas. Isso o levou a
uma história fascinante que ele explora em um novo documentário da BBC Radio 3, "Electronic India". "Basicamente,
encontrei as raízes da música eletrônica indiana em uma caixa em um armário de
biblioteca", ele ri. "Faixas com títulos como 'Space Liner 2001', e outras que
pareciam minimal techno duas décadas adiantadas. Eu simplesmente não conseguia
acreditar."
Purgas fez sua primeira viagem a Ahmedabad em 2017; é uma cidade
empoeirada e movimentada que está mudando rapidamente. "Foi onde Gandhi fundou seu primeiro ashram
(retiro espiritual), e também se tornou um campo de testes para novas ideias no
pós-independência", explica Purgas. "Tinha muitos edifícios modernistas bonitos, mas alguns deles agora
estão em estado de deterioração. É como um sonho do passado da nova Índia."
Central para esse sonho estava
uma famosa família de intelectuais radicais, os Sarabhais, que ajudaram a estabelecer o NID. Eles educaram seus filhos com métodos inspirados por Montessori e a Bauhaus, e conviveram em círculos internacionais com arquitetos e
designers como Mies van der Rohe, Charles Eames e Le Corbusier (que projetou a casa deles nos primeiros anos após a
independência da Índia).
A filha deles, a musicista Gita, teve uma grande influência em Cage, apresentando-o à música clássica
indiana, filosofia e ao conceito de silêncio quando se encontraram nos EUA na
década de 1940. Como parte de um programa internacional financiado conjuntamente
pela Fundação Ford dos EUA e pelo governo indiano, ela também trouxe Tudor para o NID por quatro meses em 1969 para criar um estúdio de som; ele
enviou o Moog em caixas de madeira
de Nova York.
Apesar do curto período de Tudor lá, o Moog foi usado por estudantes até 1973, como Purgas descobriu quando encontrou uma anotação manuscrita em um
caderno amarelado mencionando a existência de fitas na biblioteca do NID. Ele as localizou rapidamente, há
muito tempo intocadas e perfeitamente preservadas, com títulos e os nomes de
cinco compositores cuidadosamente anotados em suas capas.
Purgas tentou reproduzi-las imediatamente, mas levou um choque
elétrico do gravador de Fitas Magnéticas
(Reel to Reel) do instituto antes de começar. "Foi um alerta. Eu tinha o ponto zero da música eletrônica para a Índia
nas mãos e não sabia nada sobre conservação de fitas." E assim, ele
voltou para casa, estudou e escondeu um gravador de Fitas Magnéticas em sua bagagem de mão na volta.
Ao ouvir as gravações
cronologicamente, ele ficou surpreso: as aproximações da música clássica
indiana deram lugar a composições com nomes como "Pássaros" ou
"Bolhas" que comunicavam ambientes naturais por meio de sons
sintetizados. "Então, elas se
tornaram mais experimentais e livres, como se o Moog estivesse ajudando-as a se
desconectar das tradições do país. Elas se tornaram ligadas a ideias do
tecno-imaginário e a novos futuros."
Faixas nesse estilo incluíam
"
Dance Music" de
SC Sharma, de 1972, que, com seu ritmo
pulsante e melodia sombria, soava como uma faixa do
Aphex Twin dos anos 1990. Ou os 30 minutos de "
Space Liner 2001", criados pelo
único dos compositores que ainda estava vivo, o agora septuagenário
Jinraj Joshipura. Purgas o achou em
Porto Rico; o momento em que
conversaram pela primeira vez está registrado no documentário.
Purgas descobriu uma afinidade imediata com a história de Joshipura: ambos tinham sido estudantes
de arquitetura que abandonaram seus interesses em som eletrônico em décadas
diferentes porque suas famílias não aprovavam. Purgas retornou a essa paixão mais tarde, enquanto Joshipura não o fez até agora. "Minha família achava que isso não tinha
potencial de carreira", diz Joshipura
hoje, com um sorriso triste, via Zoom. Isso, apesar de Tudor ter ajudado seu
aluno a garantir uma bolsa de estudos totalmente financiada para estudar nos Estados
Unidos.
Joshipura seguiu uma carreira fascinante, abrangendo trabalhos
pioneiros em energia renovável, desenvolvimento de software e arquitetura em
todo o mundo. No entanto, ele ainda brilha visivelmente quando descreve seu
primeiro encontro com o Moog. "Não tínhamos uma TV em casa na época. Fazia
todo o meu trabalho com lápis e papel. E de repente, por uma porta, fui
transportado da minha realidade muito mundana para esse mundo futurista de
eletrônicos exóticos."
Ele explica que não havia uma
cena eletrônica colaborativa no instituto, já que a natureza complexa do Moog significava que cada estudante
compunha separadamente. Ele também lembra que reconectar os muitos cabos
analógicos que compunham cada patch toda vez que reservava um horário levava
muito tempo. Joshipura trabalhava
das 20h às 23h todos os dias, em uma sessão individual com Tudor, depois
desenhava o seu padrão de cabos analógicos com lápis coloridos, para que
pudesse se lembrar do que tinha feito.
“Space Liner 2001" surgiu porque ele era um grande fã do filme
de Stanley Kubrick, "2001: Uma Odisséia no Espaço (1968)".
"Eu adoro a 'Danúbio Azul' de
Strauss na trilha sonora, mas sabia que músicas como essa não tocariam no
espaço. Como o sintetizador estava tão fora de qualquer outra experiência que
eu tivera, eu estava pensando mais em criar música que se sentisse fora de
tudo, que estivesse à margem da história." De fato, a faixa soa como
uma curiosidade da era do Spacelab (1978),
a faixa espacial e melancólica do Kraftwerk
lançada nove anos depois.
O Moog era um instrumento libertador nesse sentido, oferecendo a um
estudante indiano de 19 anos a mesma chance que Ralf Hütter e Florian
Schneider (1947—2020) tiveram de criar música livre de qualquer contexto
nacional ou histórico, para definir novos caminhos.
Joshipura também ficou fascinado com o potencial revolucionário do Moog. Como jovem estudante, ele tinha
grandes planos de sintetizar sons no corpo em associação com osciloscópios,
visando avançar na medicina; ajudar a reconhecer padrões na fala de animais, o
que poderia auxiliar na tradução; e também usar sons sintetizados para ajudar
submarinos a se comunicarem debaixo d'água. "A última ideia mostra que eu era um grande fã de James Bond quando era
adolescente", ele ri.
No entanto, essas ideias
inovadoras foram o que lhe garantiu a bolsa de estudos que ele não chegou a
aproveitar. "O trabalho
multidisciplinar ainda não é valorizado da mesma forma", ele diz, com
pesar.
Joshipura realmente percebeu que os sintetizadores revolucionariam
a música naquela época, embora ele admita que não previu a miniaturização
deles. Após nossa conversa, ele me envia um esboço de 1972 mostrando como ele
achava que os instrumentos se conectariam a um grande Moog.
Ele acompanhou a música
eletrônica ao longo das décadas e gosta particularmente do produtor francês M83. "Ser contatado por Paul também me incentivou a finalmente desenvolver
minhas ideias", diz, entusiasmado. "Mas eu teria que trabalhar com um instituto progressista, para que
outras pessoas possam dar continuidade ao meu trabalho. Não podemos permitir
que o que aconteceu no NID se repita, com tudo sendo simplesmente guardado e
esquecido."
Infelizmente, Purgas nunca encontrou o Moog. Dhun Karkaria, o ex-aluno que o resgatou, faleceu durante a
produção do documentário. No entanto, o que Purgas encontrou significou muito mais. "Encontrar a alegria da experimentação pura no som se estendendo tanto a
leste quanto a oeste, naquele tempo ... dando à Índia uma voz na conversa
internacional sobre música eletrônica e perceber que essa história ainda não
acabou. Isso significa tudo."
Para ouvir:
NID Tapes: Electronic
Music from India 1969-1972 (Band
Camp)
O Livro:
Subcontinental
Synthesis: Electronic Music at the National Institute of Design, India
1969–1972 (Link)
Fonte: The
Guardian
DJ Music Mag